É uma tendência natural, o ser otimista. Ainda mais nos otimistas. Sim, é uma forma de amortizar a realidade, mas não me venham dizer que é irracional. A força que uma perspectiva positiva traz ajuda a seguir em frente e aumenta as chances de fazer da própria realidade a melhor possível. Claro, às vezes ela é indomável, e se impõe, acima das nossas expectativas. A realidade, digo. E se impôs. O meteoro estava chegando, e não era possível mais se enganar.
O que fazer diante disso? O otimismo ilusório só nos traria a
negação, e com ela a morte. O pessimismo niilista, de modo ironicamente
semelhante, nos tornaria insensíveis à morte, que abraçaríamos, fingindo ser
coragem a nossa covardia. O realismo, desse modo, tornou-se um imperativo, para
podermos nos adaptar ao inesperado. Subitamente, surgiram novas necessidades
práticas, que não nos davam tempo para lamentação. Havia uma nova vida a ser
vivida, e ela não parecia ser fácil, nem agradável.
Por quanto tempo? Não sabíamos. Sairíamos dessa com vida? Tampouco
se sabia. Quando? Não existia mais quando. Talvez sobrevivêssemos, mas era
preciso, antes, negar a própria vida.
Não, não se tratava de negar a vida em seu sentido amplo. Esta
ainda existia, e permanecerá. A vida, a mesma que agora nos atordoava, não poderia
ser negada, nem ignorada, ainda que quiséssemos. O que se apresentava como
solução era negar aquilo que nossa psiquê se acostumara a entender por vida. A
ideia, na verdade, é mais leve do que a palavra “negar” sugere. O termo mais
correto seria “desprender-se”.
O desprendimento mostrou que aquilo que a nossa psiquê se
acostumara a chamar de vida era muito menos que a nossa vida. Era apenas uma
vida entre muitas possíveis. Era, na verdade, a nossa rotina. Ela nos trouxe
segurança por muito tempo, mas deixou de fazer sentido. Dela, nos desprendemos.
A vida passou a ser aqui e agora. E o que tinha ficado lá fora ficou para
depois, ou para nunca mais.
O desprendimento tem o poder de nos libertar de pesos
excessivos e desnecessários. Essa foi a primeira grande lição do fim do mundo,
e dela nos beneficiaremos para além desse evento.
A propósito, a essa altura, o meteoro já havia caído, e o
mundo como conhecêramos não existia mais. Entre os sobreviventes, alguns
tentavam reduzir os danos, enquanto outros se entregavam à ilusão, à embriaguez
ou a ambas. O primeiro caminho era árduo.
Logo ficou claro que a nossa psiquê precisava também de
cuidados. O realismo, seco, puro, leva à depressão, a morte em vida. Disso já
sabíamos. O que se assemelhava a um desafio era conciliar o desprendimento
realista, que mantínhamos debaixo do braço, com a esperança, que, por receio,
tínhamos desligado. Reativá-la parecia agora questão de sobrevivência.
Então tivemos procuramos uma velha ferramenta, a fé. Tiveram
motivo para se sentir gratos aqueles que a tinham guardado, por via das dúvidas,
em algum canto empoeirado da bagagem que restou.
Fé não é necessariamente sinônimo de crença, apesar de ambas
muitas vezes caminharem juntas. Mas esta última pode ter muitas faces. Se a crença
na força superior que nos protege traz fé, a crença na força superior que nos
castiga traz medo. São dois caminhos opostos e inconciliáveis. Pode mesmo haver
fé independente de crença, a fé na vida, que não pede maiores explicações. Basta
saber que se está vivo para ter fé na vida. A fé simplesmente é uma luz verde
que acendemos no peito, e que torna o caminho à frente mais bonito.
Somente ao religá-la, percebemos que não havia contradição
entre o desprendimento e a esperança. Não precisávamos forçar respostas ou
alimentar ilusões, mas, sempre que necessário, vislumbrávamos o horizonte mais
bonito sob a luz verde, e isso nos dava mais prazer e saúde. Quando a vida nos
pisava, pedíamos ao bom Deus que nos ajudasse, dizíamos à vida: “vida pisa
devagar”, ouvíamos um pouco mais de Belchior.
E assim, os dias passaram. Pareciam muitos dias, sucessivos,
por vezes iguais, quase sempre curtos. A esta altura, tudo indica que vamos
continuar existindo. Será como antes do meteoro? Certamente que não e, no fim
das contas, nem desejaríamos que fosse. Isso quer dizer que aprendemos lições que
nos farão mais fortes, depois de tudo? Depende do cada um consegue ver.
Objetivamente, a morte, o caos e a desigualdade ainda ocupam
o primeiro plano da realidade presente. Enquanto trapaceiros e iludidos chamam de
fé o individualismo irresponsável, niilistas se apressam em decretar que, se
aprendemos alguma coisa, é que, venha meteoro que vier, nunca aprenderemos nada
mesmo. Paciência, dirão.
Ironicamente, é ela que os desdirá. Ela, a paciência, o último
e inegável legado do fim do mundo. A paciência nos permite continuar plantando
o bem independente de tudo à nossa volta, dos outros e até de nós mesmos. Sim, um
pouco mais de paciência, afinal, essas lições preciosas foram guardadas por
muitos, e é até possível enxergar, sob a tal luz verde, sua manifestação lá na
frente, em um futuro melhor.
Um comentário:
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