Com base no conceito de bárbaro proposto pelo filólogo Tzvetan Todorov em “La Peur des Barbares”, entendemos por civilizado aquele que considera qualquer outro ser ou população como humano e, portanto, inimputável de tratamento que ele mesmo se recusaria a aplicar a si mesmo. Nesse sentido, o avanço civilizatório pode também ser relacionado ao ensino de Cristo, independentemente de religião.
Sim, a religião cristã institucionalizada, ao longo dos
séculos tem se envolvido promiscuamente com as disputas mundanas de poder,
afastando-se com frequência do próprio ensinamento que se propõe a difundir.
Leva, no entanto, debaixo do braço, as palavras de Jesus, e essas influenciaram
o mundo, independentemente das instituições eclesiástica (e, por vezes, contra
os próprios interesses dela).
Com idas e vindas, aos trancos e barrancos, as sociedades caminharam
rumo a valores do humanismo e, finalmente do direito humano. Hoje, e esperamos
que cada vez mais, a própria natureza assume protagonismo como sujeito de
direitos. Muito do que embasa todo esse arcabouço de valores já estava na moral
de Cristo: igualdade, amor e alteridade.
Essa moral deveria ser, para o crente, parâmetro da
permanência ou caducidade de uma norma espiritual dentro do cânon bíblico. Em
outras palavras, o crente na divindade de Jesus tem em suas palavras a medida
que diferencia, na Bíblia como um todo, o que é contexto histórico e cultural
do que é verdade permanente. Permanece que o que faz mal ao ser humano, o que
faz mal a si, ao próximo e ao planeta, ofendendo criação e Criador, é o
condenável. Jesus completa a Lei ao resumi-la, ao enxugá-la ao essencial, o
amor, que faz com que todo o resto se torne detalhe.
Muitos cristãos, no entanto, sacralizam a cultura do tempo
bíblico, colocando no altar os aspectos transitórios da lei em detrimento de
sua essência. Assim, leis que só fazem sentido em seu contexto histórico e
cultural passado, são tornadas universais, enquanto a lei universal, a lei do
amor, essa mesma, a Lei de Cristo, é relativizada.
O argumento legalista (está escrito) é o que foi usado pelos
mestres religiosos para acusar Jesus, que curava no sábado. Não pode, diziam,
porque assim está escrito. Jesus respondeu: “É lícito no sábado fazer o bem ou fazer
o mal? Salvar a vida ou tirá-la?” (Marcos, 3:4).
Jesus corrige os religiosos evidenciando que fazer o mal era
fazer aquilo que tirava a vida. Obrigar a si mesmo ou a outro a trabalhar de
sábado a sábado, sem descanso, danifica o corpo e exaure a mente. É, em suma, tirar
a vida, e um povo que acabara de sair da escravidão entendia isso muito bem. Em
contrapartida, promover aquilo que salva a vida, seja qual fosse o dia, não
poderia, pelo princípio da razoabilidade, ser objeto da mesma proibição.
“O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem
por causa do sábado.” (Marcos 2:27)
A lei é para o ser humano, e não o contrário. Se algo é
proibido ou, em uma relação mais madura, se não convém, é porque faz mal. A
partir disso, o que “está escrito” é apenas uma lista exemplificativa, que deve
ser contextualizada e validada por essa mesma Lei maior, a Lei do Amor. Faz mal
ao ser humano? É contra a Lei do Amor. Viver o amor é entender-se uno ao outro e
ao restante da criação. Em Deus, todos somos um, e o mal a qualquer indivíduo é
mal ao todo. Essa é a Lei e os Profetas. O resto é História.
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