quarta-feira, 28 de novembro de 2018

6 DICAS PARA DISCUTIR POLÍTICA SEM ÓDIO (ESSA NECESSÁRIA ARTE)


Situação tão comum dos anos 2010: você está cansado e quer relaxar. Para descansar o cérebro, pega o seu celular e vai ver o whatzapp, ou entra no facebook. Quando de repente um monstro invade sua zona de conforto: uma ideia repulsiva, na forma de meme, texto, notícia compartilhada... Quem foi o responsável por isso? Como pode aquele seu parente ou amigo de longa data pensar assim? Compartilhar esse absurdo? Você deve responder à altura? Xingá-lo? Ou deixar para lá porque a discussão nem vale à pena?

Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem se encalacrado em uma odienta polarização ideológica. Seja de que lado dela se esteja, há de se concordar: está difícil, doloroso mesmo. Diante de ideias que nos soam absurdas, distantes que estão de nossos base de valores, temos a tendência de tomar uma entre duas atitudes: conflito ou fuga. Ou nos esquivamos da discussão, ou entramos nela de sola. Nosso objetivo aqui é mostrar que ambos os caminhos estão errados, e dar algumas dicas de como debater sem brigar.

É óbvio o porquê do embate conflituoso ser indesejável: perde-se a racionalidade, com isso a razão e, ao final, os amigos. Sem falar que dificilmente se convence alguém na base do grito, caso o convencimento seja o objetivo da peleja (veremos abaixo que a chave para a serenidade no debate também passa por rever os objetivos do diálogo).

Fugir do debate, de forma definitiva, tampouco é desejável. Porque a fuga de hoje não impedirá que ele nos alcance amanhã. Eu posso não refutar as ideias absurdas que surgem ao meu redor, mas as consequências delas vão me atingir em algum momento. A radicalização não é de indivíduos, é um fenômeno social. E o diálogo entre opostos é a única cura para ela.

Muitas vezes o seu interlocutor se acomodou em ideias extremas porque elas são validadas por todo discurso que lhe chega. Seu tio fascista, por exemplo, não nasceu fascista. Mas nos últimos cinco anos, ele vem se alimentando quase que exclusivamente de conteúdo monofásico. Por falta de antítese, as teses dele se solidificaram na forma do que você chama de fascismo. A apresentação de uma antítese é fundamental para o amadurecimento intelectual de qualquer pessoa, não apenas do seu tio. No agregado, a troca é desejável e necessária para se sair da polarização e fortalecer intelectualmente a sociedade como um todo. Por isso, não se deve fugir do debate.

A esta altura, você já deve ter percebido que essa é uma via de mão dupla. Não é só o seu tio fascista que vai crescer intelectualmente com o diálogo: você também vai. Porque se você disser que a opinião dele está errada, ele vai querer saber por que. E você vai ter que se perguntar o porquê de algo que para você é óbvio. É aqui que ficamos nervosos, irritados, dizemos "não dá pra conversar com você" ou simplesmente agredimos com um palavrão. Porque nos sentimos ameaçados.

Nos sentimos ameaçados porque achamos que nossas crenças e valores são parte de nós, e não uma construção social. Assim como seu tio fascista é uma construção das influências que escolheu (JN, MBL, Jovem Pan), a minha e a sua opinião são construídas pelas influências que recebemos ao longo da vida, seja esse capital cultural escolhido ou não. Entendendo isso, percebemos que questionar nossas opiniões não um ataque pessoal.

E aí nos desarmamos. Questionamo-nos. Abrimos a guarda e, que surpresa boa, percebemos que pensamos o que pensamos por um bom motivo. Nossa opinião retornará à superfície muito mais fortalecida.

Claro, na teoria, tudo é muito bonito. Mas, "na prática", você há de me dizer, "não é bem assim". Por isso, seguem algumas dicas para não perder as estribeiras em uma discussão com seu oposto ideológico.

1- Não é pessoal: a minha ideia não sou eu.

A primeira dica já foi delineada acima. Para desconstruir o outro, é preciso abrir a guarda para ser desconstruído. E aí, temos medo de mudar de opinião e perder a identidade. De fato, o olhar do nosso oposto nos desconstrói, mas não devemos temer. Essa desconstrução é uma viagem de autoconhecimento que só pode fortalecer. Pegando emprestado o conceito que Schumpeter criou para descrever a competição capitalista, o que ocorre é uma "destruição criadora". Nem você nem seu adversário intelectual são destruídos em um debate, e ambos saem mais inteligentes dele. E, de quebra, a consciência de que nossas ideias são uma construção nos livra do fanatismo.

2- Leia sempre.

Somos construção, mas jamais acabada. Um livro, muito mais do que um vídeo no youtube, aprofunda o nosso raciocínio. Com a leitura, por fim, treinamos o distanciamento das ideias necessário à racionalidade, especialmente quando buscamos textos defendendo posições diversas.

3- Jogue fora a vaidade.

Conhecemos nossos limites intelectuais, os outros não. Nosso medo é de expor esses limites. Ser derrotado intelectualmente de forma humilhante. Mas esse medo só ocorre se nosso objetivo é vencer a discussão e, se esse é o objetivo, ela se torna fútil. Se o objetivo é convencer o outro (algo comum em período eleitoral), ela pode se tornar igualmente estressante. Não temos controle sobre o outro, apenas ilusão de controle, e a consciência dessa falta de controle é duplamente libertadora. Não, o objetivo do debate não é vencer nem convencer, é o debate em si. É a busca coletiva da verdade. É apresentar ao outro o seu olhar e conhecer o dele. Um sinal de que isso acontece é quando há pausa para refletir antes de se rebater uma ideia.

4- Consciência de que o debate não tem fim.
Vivemos em uma sociedade que está sempre com pressa. Quando uma ideia “absurda” invade nossa zona de conforto, queremos expulsá-la rápido. Só que o debate de qualidade não combina com ansiedade. A ansiedade manda a racionalidade para o ralo. Entra aqui a sabedoria de entender que o debate não tem fim. Se não tem fim, tampouco tem vencedores ou perdedores. O diálogo é para a vida inteira.

5- Nem todo o momento é propício.

Se o debate não tem fim, você não precisa responder imediatamente, correto? O diálogo de qualidade exige o momento cerebral propício. Dissemos que o debate é para a vida inteira, mas isso não quer dizer que ele tem de ocorrer o tempo todo. Se, ao entrar em uma discussão, você perceber que está com raiva, propenso à agressividade, é sinal que esse não é o momento de debater. Talvez você esteja cansado. Guarde essa discussão para o momento em que você esteja calmo e racional, mais propenso a ser respeitoso e também a dar as respostas mais inteligentes. Nosso cérebro precisa de descanso regular. Na maior parte do dia, é preciso descansar da guerra ideológica. Nessas horas é mais saudável ver vídeos de gatos fofos do que de política, assistir Ponte Preta x São Caetano do que noticiário.

6- Sem complexo de messias.

Você não é o Neo de Matrix, nem o Jaspion. Não precisa se obrigar a levar o debate nacional nas costas. O que defendemos aqui, ao postular que não é desejável fugir do debate, é muito mais uma mudança de postura do que um fardo individual. Portanto, respeitemos nossos limites individuais, aceitando nossa impotência em relação à maior parte da realidade. Isso nos acalma. Contente-se em fazer a sua parte para o amadurecimento intelectual da sociedade, sem ansiedade para ver os resultados. É no agregado que essa mudança de postura faz efeito.

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Em algum momento destes anos loucos, tive a felicidade de conhecer um mantra que diz “expresso minha verdade com amor e coragem”. Expressar sua verdade é fundamental, e exige coragem. Mas o amor tem de vir antes da coragem, caso contrário, é melhor nem se expressar. É o amor que faz com que essa sua verdade seja expressa da melhor forma, contribuindo para a busca da verdade coletiva. E é esse amor, ao fim e ao cabo, a essência e finalidade de toda troca.