segunda-feira, 20 de abril de 2020

A GRANDE OPORTUNIDADE


Em sua brilhante entrevista para o Roda Viva, no dia 11 de novembro do ano passado, o historiador israelense Yuval Noah Harari afirmou algo que, neste 2020 crítico, ganha caráter assombroso. Suas palavras, em livre tradução, foram:

A última grande crise econômica e financeira que o mundo teve foi em 2008. Apesar de todas as dificuldades naquela ocasião, as grandes potências mundiais trabalharam juntas de forma eficaz para evitar suas piores consequências. Se uma crise como a de 2008 eclodir amanhã... (E pode eclodir amanhã, ou qualquer dia. Talvez agora mesmo. Nossos celulares estão no modo silencioso, mas talvez seu celular esteja cheio de mensagens de que tal banco quebrou) ...E se isso acontecer agora, não haverá nenhuma cooperação global, como houve em 2008. Se tivermos outra crise como aquela, podemos assistir a um colapso financeiro completo, porque nos faltam a confiança e cooperação globais necessárias, como tínhamos em 2008, para lidar com a crise.”

Sim, de 2008 para cá, em grande parte em decorrência daquela própria crise, emergiram governos que, na contramão da integração, fizeram do conflito e do discurso faccioso sua base de sustentação. E a crise veio, pouco tempo depois das palavras do historiador.

Mas a crise do corona é diferente de qualquer outra que qualquer país tenha experimentado. Ela atinge sem demora todos os países do mundo, escancarando o caráter imaginário das fronteiras. E, no entanto, cria uma oportunidade de ouro para o fortalecimento da cooperação internacional. Pelo simples fato de que, agora, não temos outra alternativa.

A chamada globalização, fenômeno muito antigo, mas que nas últimas décadas ganhou relevância em nosso pensamento, tem se pautado por diretrizes quase que exclusivamente econômicas. O capital transita livre pelo mundo, enquanto o fluxo de pessoas é assunto delicado e gera imensa resistência, vide o drama mundial dos refugiados.

Em poucos meses, isso mudou. O objetivo primeiro da integração não é mais o lucro, mas a saúde e o bem-estar da humanidade.

Negar agora a integração é negar a realidade. Não há mais espaço para relativismo nesse sentido. Uma ação perigosa em qualquer país afeta todos os outros. Atentados ao meio ambiente, comércio de animais silvestres e desmatamento apenas começam a produzir suas mais nefastas consequências. Há muito, a ciência nos alerta sobre esses perigos (lembremos que a bomba relógio das mudanças climáticas não foi ainda desarmada).

A perspectiva da cooperação internacional em prol da saúde abre uma porta de integração virtuosa que até ontem a humanidade parecia incapaz de acessar. Pois saúde implica segurança alimentar, defesa do meio ambiente, respeito aos animais. Finalmente, e não era sem tempo, a preservação e a qualidade da vida torna-se nossa maior prioridade. E, repito, em escala mundial. A perspectiva de um sistema mundial de saúde pública nos enche de esperança, mesmo em meio ao caos.

Mas, infelizmente, essa oportunidade pode também ser desperdiçada. Líderes facciosistas ainda estão no poder. Não os chamo nacionalistas, porque nacionalismo é amar seu vizinho, não é odiar o estrangeiro. O discurso faccioso desconhece qualquer amor.

Está colocado diante de todos um novo mundo. Se forem sábios, os líderes das nações mudarão seus rumos, seu discurso e suas ações. Poderão, afinal, até mesmo estrar para a História por sua participação virtuosa na reconstrução pós-crise. Mas alguns não parecem querer enxergar nada além de seu universo mesquinho de negação e conflito. Se insistirem em sua postura insensata, caminharão para a ruína, levando consigo imensas populações.