Em
sua brilhante entrevista para o Roda Viva, no dia 11 de novembro do
ano passado, o historiador israelense Yuval Noah Harari afirmou algo
que, neste 2020 crítico, ganha caráter assombroso. Suas palavras,
em livre tradução, foram:
“A
última grande crise econômica e financeira que o mundo teve foi em
2008. Apesar de todas as dificuldades naquela ocasião, as grandes
potências mundiais trabalharam juntas de forma eficaz para evitar
suas piores consequências. Se
uma crise como a de 2008 eclodir amanhã... (E pode eclodir amanhã,
ou qualquer dia. Talvez agora mesmo. Nossos celulares estão no modo
silencioso, mas talvez seu celular esteja cheio de mensagens de que
tal banco quebrou) ...E se isso acontecer agora, não haverá nenhuma
cooperação global, como houve em 2008. Se tivermos outra crise como
aquela, podemos assistir a um colapso financeiro completo, porque nos
faltam a confiança e cooperação globais necessárias, como
tínhamos em 2008, para lidar com a crise.”
Sim,
de 2008 para cá, em grande parte em decorrência daquela própria
crise, emergiram governos que, na contramão da integração, fizeram
do conflito e do discurso faccioso sua base de sustentação. E a
crise veio, pouco tempo depois das palavras do historiador.
Mas
a crise do corona é diferente de qualquer outra que qualquer país
tenha experimentado. Ela atinge sem demora todos os países do mundo,
escancarando o caráter imaginário das fronteiras. E, no entanto,
cria uma oportunidade de ouro para o fortalecimento da cooperação
internacional. Pelo simples fato de que, agora, não temos outra
alternativa.
A
chamada globalização, fenômeno muito antigo, mas que nas últimas
décadas ganhou relevância em nosso pensamento, tem se pautado por
diretrizes quase que exclusivamente econômicas. O capital transita
livre pelo mundo, enquanto o fluxo de pessoas é assunto delicado e
gera imensa resistência, vide o drama mundial dos refugiados.
Em
poucos meses, isso mudou. O objetivo primeiro da integração não é
mais o lucro, mas a saúde e o bem-estar da humanidade.
Negar
agora a integração é negar a realidade. Não há mais espaço para
relativismo nesse sentido. Uma ação perigosa em qualquer país
afeta todos os outros. Atentados ao meio ambiente, comércio de
animais silvestres e desmatamento apenas começam a produzir suas
mais nefastas consequências. Há muito, a ciência nos alerta sobre
esses perigos (lembremos que a bomba relógio das mudanças
climáticas não foi ainda desarmada).
A
perspectiva da cooperação internacional em prol da saúde abre uma
porta de integração virtuosa que até ontem a humanidade parecia
incapaz de acessar. Pois saúde implica segurança alimentar, defesa
do meio ambiente, respeito aos animais. Finalmente, e não era sem
tempo, a preservação e a qualidade da vida torna-se nossa maior
prioridade. E, repito, em escala mundial. A perspectiva de um sistema
mundial de saúde pública nos enche de esperança, mesmo em meio ao
caos.
Mas,
infelizmente, essa oportunidade pode também ser desperdiçada.
Líderes facciosistas ainda estão no poder. Não os chamo
nacionalistas, porque nacionalismo é amar seu vizinho, não é odiar
o estrangeiro. O discurso faccioso desconhece qualquer amor.
Está
colocado diante de todos um novo mundo. Se forem sábios, os líderes
das nações mudarão seus rumos, seu discurso e suas ações.
Poderão, afinal, até mesmo estrar para a História por sua
participação virtuosa na reconstrução pós-crise. Mas alguns não
parecem querer enxergar nada além de seu universo mesquinho de
negação e conflito. Se insistirem em sua postura insensata,
caminharão para a ruína, levando consigo imensas populações.