Vejo que a luta política
é hoje, em essência, a mesma do século XVIII. É a luta do
privilégio contra a inclusão.
O que mudou nesse tempo
foi o papel do estado. Só no século XX alguns países chegaram
perto do sufrágio universal. Conforme esse avanço é alcançado, o
estado, se efetivamente democrático, tende a ser uma ferramenta mais
de inclusão do que de manutenção de privilégios.
Assim, a identificação de uma menor participação do estado na economia com uma maior liberdade econômica inspira cuidados. O neoliberalismo não traz liberdade, antes
favorece a liberdade do mais forte e diminui a do mais fraco. O
neoliberalismo concentra a renda e, logo, a liberdade. Nesse sentido,
cito o Karl Polanyi:
“(...) As
classes abastadas gozam da liberdade que lhes oferece o ócio em
segurança; elas estão naturalmente menos propensas a ampliar a
liberdade na sociedade do que aquelas que, por falta de rendas, têm
que se contentar com um mínimo de liberdade. Isto é perfeitamente
visível quando surge uma compulsão no sentido de uma distribuição
mais justa de renda, do lazer e da segurança. Embora as restrições
se apliquem a todos, os privilegiados tendem a ressentir-se, como se
elas fossem dirigidas apenas contra eles. Eles falam em escravidão,
quando de fato se pretende apenas distribuir entre os outros a
liberdade de que eles mesmos gozam. É verdade que pode ocorrer
inicialmente uma diminuição do seu lazer e da sua segurança e,
portanto, da sua liberdade, para que seja elevado o nível de
liberdade para todos. Todavia, uma tal mudança, a remodelação e a
ampliação das liberdades, não deve servir de motivo para que se
afirme que a nova situação é, necessariamente, menos livre do que
a anterior” (POLANYI, Karl. A Grande transformação: as origens de
nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 295).
O estado ser subjugado à
população é uma premissa de qualquer modelo desejável. A
concentração de poder, seja no estado, seja no mercado, favorece o
mais forte, que domina o mais fraco. Por isso a importância do
sufrágio universal: ele pulveriza o poder político. Mas não
adianta as pessoas terem poder de decisão sobre o estado e esse não
ter capacidade de interferir na realidade.
Por fim, falo em
“neoliberalismo”, e não em “liberalismo”, porque liberalismo
é um conceito que me é caro. O liberalismo tem a ver com liberdade,
mas também igualdade e fraternidade, com todas as liberdades
comportamentais, com direitos humanos, com o Estado Democrático de
Direito, com as garantias constitucionais, com a presunção de
inocência, contraditório e ampla defesa. Tem a ver com aquelas
mesmas lutas do século XVIII, contra o privilégio e pela inclusão
política. Liberal é uma palavra bonita demais para designar o
sujeito que só quer deixar de pagar imposto e manter privilégios. A
este, fica melhor uma palavra feia: neoliberal.