terça-feira, 10 de março de 2015

STALINISMO VIRTUAL OU PERCEPÇÃO SELETIVA OU DESLEGITIMAÇÃO DO OUTRO OU UNFOLLOW É VIDA

Nestas épocas de acirramento político, o excesso de chatice é a grande reclamação dos frequentadores do facebook. Os que são de direita não aguentam os posts de esquerda e os de esquerda não toleram os posts de direita. Os de centro não suportam ambos. Uma solução fácil é deixar de seguir os chatos, os que dizem coisas incômodas e os que pensam diferente de você. É a saída mais confortável, certamente, mas esse stalinismo virtual tem seu preço.

Depois de alguns unfollows, esta janela para a realidade passa a exibir a tendência a que você mesmo direcionou: um mundo à sua imagem e semelhança. O problema começa quando você não percebe isso e passa a achar que a realidade é mesmo assim, do jeito que você quer que ela seja.

Lembro que, logo após a recente vitória da Dilma nas urnas, uma pessoa postou: “muito estranho esse resultado... só vejo gente reclamando por aqui, ninguém comemorando”. Só que, enquanto a timeline dela era um mar de lamentação e inconformismo, a minha parecia uma festa do Centro Popular de Cultura da UNE em 1963. Enquanto isso, a realidade das urnas mostrava a média entre os dois mundos virtuais de fantasia.

Por que essa diferença? Porque o facebook, produto comercial que é, é programado para mostrar o que você quer ver. Os “deixar de seguir” e “não quero ver isso” apenas reforçam esse processo. Indo por essa via confortável, sua “janela” vai ficar tão tendenciosa quanto uma rede de televisão que seleciona as notícias conforme os interesses de seus donos.

O resultado é o reforço da percepção seletiva: como você só vê opiniões que confirmam o que você pensa, a sua intolerância com as ideias opostas aumentará. “Como essa pessoa pode pensar isso, se todo mundo diz o contrário? Só pode ser maluco”. A essa altura, já se esqueceu de que todo mundo não é todo o mundo.

Não ouvir o outro, por mais “chato” que ele seja, é deslegitimar o outro. Deslegitimar o outro é matá-lo, fingir que ele não existe. É, por exemplo, fingir que todo mundo que votou na Dilma recebe bolsa família e, por isso, não deve ser considerado. Ou (para não sair da autocrítica) fingir que qualquer que reclame do governo é elite burguesa e, por isso, não deve ser considerado.

Assim, não consideramos o outro, matamos o outro. E quando se mata o outro, não há troca. Vivemos então de casamentos entre primos, promovendo futuras doenças congênitas. A dificuldade de se conviver com o outro é grande, mas a necessidade de fazê-lo é ainda maior.

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Posto isso, digo agora aos que pedem o tal do impeachment: vocês querem fingir que os 54% de eleitores que votaram na Dilma simplesmente não existem, ou não devem ser considerados. O mandato dela é efeito do voto dessas pessoas, e não sua causa. Se ela deixar o cargo nós não deixaremos de existir, nem mudaremos de opinião. Vocês não conseguirão, com seus golpes, esculpir a realidade à sua imagem e semelhança. Porque cê mata uma e vem outra em seu lugar.