Situação
tão comum dos anos 2010: você está cansado e quer relaxar. Para descansar o
cérebro, pega o seu celular e vai ver o whatzapp, ou entra no facebook. Quando
de repente um monstro invade sua zona de conforto: uma ideia repulsiva, na
forma de meme, texto, notícia compartilhada... Quem foi o responsável por isso?
Como pode aquele seu parente ou amigo de longa data pensar assim? Compartilhar
esse absurdo? Você deve responder à altura? Xingá-lo? Ou deixar para lá porque
a discussão nem vale à pena?
Nos
últimos anos, a sociedade brasileira tem se encalacrado em uma odienta
polarização ideológica. Seja de que lado dela se esteja, há de se concordar:
está difícil, doloroso mesmo. Diante de ideias que nos soam absurdas, distantes
que estão de nossos base de valores, temos a tendência de tomar uma entre duas
atitudes: conflito ou fuga. Ou nos esquivamos da discussão, ou entramos nela de
sola. Nosso objetivo aqui é mostrar que ambos os caminhos estão errados, e dar
algumas dicas de como debater sem brigar.
É
óbvio o porquê do embate conflituoso ser indesejável: perde-se a racionalidade,
com isso a razão e, ao final, os amigos. Sem falar que dificilmente se convence
alguém na base do grito, caso o convencimento seja o objetivo da peleja
(veremos abaixo que a chave para a serenidade no debate também passa por rever
os objetivos do diálogo).
Fugir
do debate, de forma definitiva, tampouco é desejável. Porque a fuga de hoje não
impedirá que ele nos alcance amanhã. Eu posso não refutar as ideias absurdas
que surgem ao meu redor, mas as consequências delas vão me atingir em algum
momento. A radicalização não é de indivíduos, é um fenômeno social. E o diálogo
entre opostos é a única cura para ela.
Muitas
vezes o seu interlocutor se acomodou em ideias extremas porque elas são
validadas por todo discurso que lhe chega. Seu tio fascista, por exemplo, não
nasceu fascista. Mas nos últimos cinco anos, ele vem se alimentando quase que
exclusivamente de conteúdo monofásico. Por falta de antítese, as teses dele se
solidificaram na forma do que você chama de fascismo. A apresentação de uma
antítese é fundamental para o amadurecimento intelectual de qualquer pessoa,
não apenas do seu tio. No agregado, a troca é desejável e necessária para
se sair da polarização e fortalecer intelectualmente a sociedade como um todo.
Por isso, não se deve fugir do debate.
A
esta altura, você já deve ter percebido que essa é uma via de mão dupla. Não é
só o seu tio fascista que vai crescer intelectualmente com o diálogo: você
também vai. Porque se você disser que a opinião dele está errada, ele vai
querer saber por que. E você vai ter que se perguntar o porquê de algo que para
você é óbvio. É aqui que ficamos nervosos, irritados, dizemos "não dá pra
conversar com você" ou simplesmente agredimos com um palavrão. Porque nos
sentimos ameaçados.
Nos
sentimos ameaçados porque achamos que nossas crenças e valores são parte de
nós, e não uma construção social. Assim como seu tio fascista é uma construção
das influências que escolheu (JN, MBL, Jovem Pan), a minha e a sua opinião são
construídas pelas influências que recebemos ao longo da vida, seja esse capital
cultural escolhido ou não. Entendendo isso, percebemos que questionar nossas
opiniões não um ataque pessoal.
E
aí nos desarmamos. Questionamo-nos. Abrimos a guarda e, que surpresa boa,
percebemos que pensamos o que pensamos por um bom motivo. Nossa opinião
retornará à superfície muito mais fortalecida.
Claro,
na teoria, tudo é muito bonito. Mas, "na prática", você há de me
dizer, "não é bem assim". Por isso, seguem algumas dicas para não
perder as estribeiras em uma discussão com seu oposto ideológico.
1-
Não é pessoal: a minha ideia não sou eu.
A
primeira dica já foi delineada acima. Para desconstruir o outro, é preciso
abrir a guarda para ser desconstruído. E aí, temos medo de mudar de
opinião e perder a identidade. De fato, o olhar do nosso oposto nos
desconstrói, mas não devemos temer. Essa desconstrução é uma viagem de
autoconhecimento que só pode fortalecer. Pegando emprestado o conceito que
Schumpeter criou para descrever a competição capitalista, o que ocorre é uma
"destruição criadora". Nem você nem seu adversário intelectual são
destruídos em um debate, e ambos saem mais inteligentes dele. E, de
quebra, a consciência de que nossas ideias são uma construção nos livra do
fanatismo.
2-
Leia sempre.
Somos
construção, mas jamais acabada. Um livro, muito mais do que um vídeo no
youtube, aprofunda o nosso raciocínio. Com a leitura, por fim, treinamos o
distanciamento das ideias necessário à racionalidade, especialmente quando
buscamos textos defendendo posições diversas.
3- Jogue fora a vaidade.
Conhecemos
nossos limites intelectuais, os outros não. Nosso medo é de expor esses
limites. Ser derrotado intelectualmente de forma humilhante. Mas esse medo só
ocorre se nosso objetivo é vencer a discussão e, se esse é o objetivo, ela se
torna fútil. Se o objetivo é convencer o outro (algo comum em período eleitoral),
ela pode se tornar igualmente estressante. Não temos controle sobre o outro,
apenas ilusão de controle, e a consciência dessa falta de controle é duplamente
libertadora. Não, o objetivo do debate não é vencer nem convencer, é o debate
em si. É a busca coletiva da verdade. É apresentar ao outro o seu olhar e
conhecer o dele. Um sinal de que isso acontece é quando há pausa para refletir
antes de se rebater uma ideia.
4-
Consciência de que o debate não tem fim.
Vivemos
em uma sociedade que está sempre com pressa. Quando uma ideia “absurda” invade
nossa zona de conforto, queremos expulsá-la rápido. Só que o debate de
qualidade não combina com ansiedade. A ansiedade manda a racionalidade para o ralo.
Entra aqui a sabedoria de entender que o debate não tem fim. Se não tem fim,
tampouco tem vencedores ou perdedores. O diálogo é para a vida inteira.
5-
Nem todo o momento é propício.
Se
o debate não tem fim, você não precisa responder imediatamente, correto? O
diálogo de qualidade exige o momento cerebral propício. Dissemos que o debate é
para a vida inteira, mas isso não quer dizer que ele tem de ocorrer o tempo
todo. Se, ao entrar em uma discussão, você perceber que está com raiva,
propenso à agressividade, é sinal que esse não é o momento de debater. Talvez
você esteja cansado. Guarde essa discussão para o momento em que você esteja
calmo e racional, mais propenso a ser respeitoso e também a dar as respostas
mais inteligentes. Nosso cérebro precisa de descanso regular. Na maior parte do
dia, é preciso descansar da guerra ideológica. Nessas horas é mais saudável ver
vídeos de gatos fofos do que de política, assistir Ponte Preta x São Caetano do
que noticiário.
6-
Sem complexo de messias.
Você
não é o Neo de Matrix, nem o Jaspion. Não precisa se obrigar a levar o debate
nacional nas costas. O que defendemos aqui, ao postular que não é desejável
fugir do debate, é muito mais uma mudança de postura do que um fardo
individual. Portanto, respeitemos nossos limites individuais, aceitando nossa
impotência em relação à maior parte da realidade. Isso nos acalma. Contente-se
em fazer a sua parte para o amadurecimento intelectual da sociedade, sem
ansiedade para ver os resultados. É no agregado que essa mudança de postura faz
efeito.
***
Em
algum momento destes anos loucos, tive a felicidade de conhecer um mantra que
diz “expresso minha verdade com amor e coragem”. Expressar sua verdade é
fundamental, e exige coragem. Mas o amor tem de vir antes da coragem, caso
contrário, é melhor nem se expressar. É o amor que faz com que essa sua verdade
seja expressa da melhor forma, contribuindo para a busca da verdade coletiva. E
é esse amor, ao fim e ao cabo, a essência e finalidade de toda troca.