quarta-feira, 11 de novembro de 2009

PROSELITISMO IDEOLÓGICO NA TV

Hoje (09/11), um telejornal do canal Globo News comemorava os 20 anos da queda do Muro de Berlim. A matéria exibida me irritou profundamente. Que não me entendam mal, o aniversário de tal fato histórico deve, sim, ser celebrado. O problema é a forma panfletária como isso aconteceu.

O âncora o descreveu o muro como “o maior símbolo da separação entre o ocidente democrático e capitalista, e o mundo comunista e totalitário”. Notem que democrático vem antes de capitalista, como se essa fosse a principal característica do ocidente durante a Guerra Fria.

Não foi essa a nossa experiência na América Latina. Tivemos ditaduras capitalistas no Brasil, na Argentina, no Uruguai, no Chile. Neste último, o governo socialista de Salvador Allende foi eleito democraticamente em 1970. Em 1973, com o patrocínio dos EUA, um golpe militar matou o presidente e instaurou um regime assassino. Os Estados Unidos também patrocinaram o golpe de 64, no Brasil, e o de 76, na Argentina, que originou a pior entre essas ditaduras (se medirmos em número de mortos). E isso tudo era parte do "Ocidente democrático e capitalista" descrito pela Globo News.

Quanto ao resto da frase, o "oriente comunista e totalitário", o problema é o termo "totalitário". O conceito é passível de crítica, primeiro por passar a ideia quase metafísica de um regime onipresente (o que nenhum pode ser, por mais que queira). Em segundo lugar, por colocar no mesmo saco experiências diferentes, como nazismo e comunismo. Mas não nos aprofundemos nessa discussão conceitual (que não pareça que a intenção deste texto seja esconder os crimes que se praticaram no Leste).

O Muro era sim um ícone da opressão da ditadura vigente na Alemanha Oriental, a população realmente queria sua queda. Queria o fim de ambos, do regime ditatorial e de seu muro. Mas será que queria que o país acabasse e que a economia fosse bruscamente tragrada pelas leis do mercado? Creio que não, e tenho certeza de que não desejavam os níveis de desemprego enfrentados nos anos seguintes à unificação.

O problema não é comemorar a queda do muro. É transformar esse fato, o fim do cerceamento de um povo, em um símbolo da vitória capitalista, deixando nas entrelinhas a idéia de que esse é o único sistema possível. É a celebração do pensamento único.

A reportágem da Globo News é binária. Para ela, o capitalismo é democrático e o socialismo é totalitário. É o bem e o mal, o claro e o escuro. O nosso cérebro, aliás, raciocina de forma binária, e temos a tendência de enxergar a realidade desse jeito.[1]. Mas a realidade não é binária. Quanto mais superarmos essa visão simplificada de mundo, mais inteligentes seremos.

O que critico neste texto, porém, não é a burrice. O emburrecimento talvez, mas não a burrice. O ponto onde quero chegar é que, infelizmente, o conservadorismo se tornou a égide ideológica do jornalismo da Globo News. O canal fechado, até há pouco tempo, tinha uma maior diversidade de pensamento do que os telejornais da Rede Globo aberta. Hoje parece que isso mudou, e já vejo a assinatura do ultraconservador Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da Rede Globo, nos programas da Globo News.

Vivemos em um país democrático, não "totalitário". No entanto, a grande mídia muitas vezes é tão panfletária, binária, maniqueísta, ideológica e cheia de proselitismo político quanto um livro de História feito na União Soviética nos anos 50. Não prego que os meios de comunicação não tenham o direito de falar suas bobagens. Só faço um apelo aos espectadores: tenhamos senso crítico para não aceitá-las tão facilmente.

Leandro Coutinho Rodrigues Murad

[1] O pensamento de esquerda, no qual eu me incluo, tem uma tendência histórica a ser binário. Aqueles dentre seus representantes que possuem a virtude da autocrítica sabem disso, e têm consciência da necessidade de não cair mais nesse erro.