Antes de se discutir imprensa ou
religião, temos um crime contra a vida. Essa é a dimensão e o
tamanho da tragédia. Quem mata um homem mata a humanidade. E não há
pessoa sã que não se comova diante de um assassinato brutal e
múltiplo. Não há o que justifique, não há desculpa, não há o
que diminua a dor.
Dito isso, gostando ou não, as
discussões subjacentes à tragédia do Charlie são inevitáveis. E
a lenha está posta na fogueira bélica que confronta ocidentais a
orientais, franceses a argelinos, cristãos a islâmicos.
Mas, se há alguma conclusão possível
desse episódio tão desconcertante, é a de que a realidade não é
binária. Ela é bem mais complexa que uma galeria de personagens de
He-Man, em que bem e mal estão bem definidos.
Não é o que somos que nos diferencia,
é o que fazemos e o que não fazemos. O que define um assassino é o
cometer assassinato, não o fato de ele ser árabe. O francês que
agora quer a volta da pena de morte (da guilhotina, quem sabe?) e o
que vê na tragédia uma oportuna licença para o seu ódio
preexistente aos muçulmanos, esses são iguais ao terrorista. Suas
mentes seguem a mesma lógica: a de que mais violência é solução
para a violência. É a ilusória lógica fascista de que a força
tudo resolve.
Ora, não precisa ser gênio para saber
onde essa lógica leva, basta olhar para este século e ver como a
guerra infinita ao terror tem sido bem-sucedida apenas em criar ainda
mais violência e mais terroristas.