sexta-feira, 13 de julho de 2018

O QUE O DISCURSO ANTICORRUPÇÃO PODE OCULTAR?


Todo mundo é contra a corrupção. Até o corrupto é contra a corrupção. Por isso, o discurso anticorrupção se pretende acima de críticas. Como se questioná-lo fizesse de alguém um defensor dos desvios de dinheiro público. Esse escudo moral faz com que ideias perigosas se difundam desapercebidamente na esteira segura da indignação popular. Seguem abaixo quatro desdobramentos desse discurso moralista que têm feito muito mal à sociedade brasileira.
  1. Discurso acima da Prática.
Nem todo aquele que brada contra a corrupção é honesto. Se nossa busca por salvação é cega, quanto mais raivoso for o discurso contra a corrupção, melhor. Assim, um político que se apresenta furiosamente como alternativa à “roubalheira” tende a ganhar popularidade, ainda que empregue toda a família na máquina pública ou use auxílio moradia para “comer gente”.
  1. Apologia às Privatizações.
As noções de que toda a corrupção é do Estado e de que o Estado é, por natureza, corrupto fazem com que encaremos a coisa pública como problema, e não como patrimônio. Por exemplo, difunde-se a lógica de que a Petrobrás é uma vergonha, pois lá houve roubo. Pode-se, assim, vendê-la barato. Ora, se a corrupção é a transferência do recurso público para o interesse privado, combatê-la pela privatização é como matar o doente para acabar com a doença.
  1. Desfavor à Democracia.
A associação da corrupção exclusivamente aos políticos faz com que busquemos soluções fora da política. Surgem as propostas de intervenção antidemocrática. O golpe de 1964 capitalizou fartamente em cima do discurso moral anticorrupção. A ideia era a de que os militares eram puros e incorruptíveis servidores, e os políticos, imorais e interesseiros. O que não falavam é que, assim que tomam o poder, militares, astronautas ou futebolistas se tornam, necessariamente, políticos.
  1. “Origem de todo o Mal”
A falsa noção de que TODAS as nossas mazelas têm origem na corrupção pública simplifica a realidade, escondendo muitos outros graves problemas. Esconde-se a corrupção privada da sonegação fiscal. Esconde-se o caráter regressivo do sistema tributário (mais pobres pagam mais). Esconde-se a retirada de verbas para serviços públicos que se dão dentro da lei. Escondem-se as disputas pelo orçamento. Escondem-se as contradições entre os interesses das diversas classes. Esconde-se nosso problema de endividamento, tendo este atingido o ponto em que o compromisso com a dívida, cuja função é financiar o investimento público, passa a impedi-lo.

De 2013 para cá, o discurso moralista anticorrupção voltou à moda com toda a força. A operação Lava-Jato iniciou sua cruzada, apresentando-se como salvação nacional. Se a vida de algum brasileiro melhorou desde então, favor me avisar.