sábado, 16 de março de 2019

O FIM DO MUNDO NÃO É O FIM DO MUNDO


A ideia de fim do mundo desperta medo no coração das pessoas. É natural que seja assim, mas, para aqueles que associam a consumação dos séculos à volta de Cristo, não deveria tal acontecimento trazer conforto? E, no entanto, o pavor do fim dos tempos é ainda mais agudo entre os crentes. Nesse meio, o que se observa muitas vezes é um alarmismo, como se uma árdua “preparação” fosse necessária. A partir daí, o risco de se adotar uma postura neurótica em relação à vida é enorme. Ou seja, por mais que se faça, a pessoa pode sempre se achar em dívida diante do Juízo Final.

Para saber se tanto desespero se justifica à luz das escrituras, vamos examinar o que o próprio Jesus disse sobre o assunto, no Evangelho segundo Mateus. Este estudo não se propõe a analisar toda a riqueza do sermão profético. Nosso foco é o ensinamento sobre a postura prática desejável ao cristãos, com vistas à volta de Cristo.

1- Não se deixe enganar.

Em Mateus 24, os discípulos perguntaram a Jesus sobre sua vinda e o fim dos tempos. Ao responder, sua primeira preocupação foi preveni-los quanto à ação de enganadores.

4. E ele lhes respondeu: Vede que ninguém vos engane.
5. Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos.
(...)
11. levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos;
(...)
23. Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo Ali! Não acrediteis;
24. porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos.
(...)
26. Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto!, não saiais. Ou: Ei-lo no interior da casa!, não acrediteis.

De fato, o medo excessivo do fim do mundo expõe o crente a ser enganado por falsos profetas. Não cair no charlatanismo é a primeira lição do Sermão Profético. “Eis que de antemão vo-lo tenho dito”, completa Jesus. Não temos, pois, desculpa para nos deixar prejudicar por aproveitadores da fé.

2- Desgraça e caos não necessariamente significa fim dos tempos.

Em segundo lugar, Jesus nos acalma em reação a acontecimentos caóticos à nossa volta. Quem nunca ouviu algo como “tem tanta coisa ruim acontecendo, será o fim do mundo”? Não, diz Jesus, não será o fim do mundo, apenas o princípio das dores. Olhai não vos perturbeis; porque forçoso é que assim aconteça; mas ainda não é o fim.

6. E, certamente, ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim.
7. Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares,
8. porém tudo isto é o princípio das dores.

3- O bom proceder em meio ao princípio das dores

12. e, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos.
13. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo.

Iniquidade é injustiça, maldade. O que, de fato, assistimos o tempo todo no mundo contemporâneo, ainda que não seja novidade de nossa época. Viver neste mundo é viver em meio à dor.
E temos a tendência natural de reagir à dor com agressividade, a responder à violência com violência. A dor da iniquidade, da injustiça, faz com que o amor se esfrie em nós. Mas quem perseverar no amor, apesar de toda a iniquidade, será salvo.
A salvação é justamente essa: que a chama do amor permaneça acesa em nós. E para que o amor não se esfrie, é preciso manter-se calmo, mesmo diante da iniquidade.
Como disse Jesus, os revezes da existência, mesmo os grandes, não são o fim. Então, temos de aprender a conviver com eles pelo tempo que for necessário. Quanto ao fim...

4- Nem perca tempo tentando descobrir quando, porque ninguém sabe.

36. Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão o Pai.
(...)
42. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor.
43. Mas considerai isto: se o pai de família soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse arrombada a sua casa.
44. Por isso ficai também vós apercebidos; porque à hora em que não cuidais, o Filho do homem virá.

Se soubéssemos a hora, era só ficaríamos esperando. Mas não sabemos, então temos de vigiar. Isso quer dizer que ficar em estado de alerta o tempo todo? Não, porque...

5- Vigilância não é falta de descanso.

Na parábola sobre o pai de família, Jesus deixa claro que este não sabe a que horas o ladrão vai chegar. Ora, sendo assim, melhor faz ele em ir dormir. Mas como? A parábola, afinal, é uma exortação à vigilância!
Disso, então, só podemos inferir que vigiar não é ficar alerta o tempo todo, algo humanamente impossível. Lutar contra nossas limitações, descuidando da própria saúde física e mental, é uma forma de errar o alvo.
Vigiar não é querer controlar tudo, mas entregar o controle a Deus. Desse modo, o dono da casa poderá dormir tranquilo e, quando Jesus chegar (aqui o ladrão é Jesus) encontrá-lo-á vigilante, mesmo que esteja dormindo.

6- O bom proceder com vistas ao fim do mundo.

No final de Mateus 24 e em todo capítulo 25, Jesus contrapõe o bom e o mau proceder diante de sua volta. São quatro passagens: as parábolas do bom servo e do mau, das dez virgens e dos talentos e a descrição do Grande Julgamento.

Fiel e prudente x Mau e hipócrita

Na parábola dos dois servos, o bom servo é aquele que, mesmo na ausência de seu senhor, faz o que este lhe confiou: dar a seus conservos o sustento a seu tempo.
Assim, pois, o somos, conforme praticamos espontaneamente o amor, dividimos o pão, o material e o espiritual, a comida e o conhecimento. “A seu tempo” também deve ser destacado: é uma medida de equilíbrio, pois ninguém pode nem deve trabalhar o tempo todo. O jugo deve ser suave, e o fardo, leve.
O mau servo é aquele que espanca os seus companheiros e passa a comer e beber com ébrios. Podemos entender por embriaguez tudo aquilo que consome tanto nossa atenção e nossas energias a ponto de nos desviar do que é mais importante (dar ao próximo o sustento a seu tempo).
O servo mau é descrito como hipócrita, pois possivelmente faria o bem aos olhos do senhor, mas na ausência dele, se inclina para o mau e para o próprio ego.

45. Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o senhor confiou os seus conservos, para dar-lhes o sustento a seu tempo?
46. Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim.
47. Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens.
48. Mas se aquele servo, sendo mau, disser consigo mesmo: Meu senhor demora-se,
19. e passar a espancar os seus companheiros e a comer e beber com ébrios,
50. virá o senhor daquele servo em dia em que não o espera e em hora que não sabe
51. E castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes.

Sábias x Néscias

Na parábola das dez virgens, estas esperam o noivo, que tarda a chegar. Ao final, Jesus (aqui, o noivo) leva consigo apenas cinco delas, as prudentes.


1. Então, o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram a encontrar-se com o noivo.
2. Cinco dentre elas eram néscias, e cinco, prudentes.
3. As néscias, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo;
4. no entanto, as prudentes, além das lâmpadas, levaram azeite nas vasilhas.
5. E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono e adormeceram.
6. Mas, à meia-noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro!
7. Então, se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas.
8. E as néscias disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando.
9. Mas as prudentes responderam: Não, para que não nos falte a nós e a vós outras! Ide, antes, aos que o vendem e comprai-o.
10. E, saindo elas para comprar, chegou o noivo, e as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta.
11. Mais tarde, chegaram as virgens néscias, clamando: Senhor, senhor, abre-nos a porta!
12. Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço.

13. Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.

O texto mostra mais uma vez que o conceito de vigilância não é ficar alerta o tempo todo. Repare que as prudentes também dormiram! O que as diferencia não é o dormir ou não dormir, mas o azeite nas vasilhas, para manter as lâmpadas acesas. O que é o azeite?

O temor de Deus

O temor de Deus não é ter medo de Deus. É ter intimidade com Deus, entregar a ele o controle. Vigiar é estar na presença de Deus. Esse é o azeite para nossas lâmpadas, combustível que garante que nossa luz não se apague. Vigiar é viver em oração, é estar com o coração perto de Deus. Isso é o que nos faz proceder bem, ajudando nosso próximo, mesmo quando estamos descansando ou distraídos, mesmo sem perceber ou se preocupar em fazer o bem por estar sendo observado. O temor é uma postura de respeito e de consideração: considerar Deus enquanto Deus, amor e sabedoria absolutos. A relação que se estabelece a partir dessa consciência é de carinho, amparo e confiança, e não de medo.

Compartilhar x Enterrar talentos

1. Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens.
2. A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e, então, partiu.
3. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco.
4. Do mesmo modo, o que recebera dois ganhou outros dois.
5. Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor.
6. Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles.
7. Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que ganhei.
8. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.
9. E, aproximando-se também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei.
10. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.
11. Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste,
12. receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu.
13. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei?
14. Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu.
15. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez.

Aqui, há novamente duas atitudes contrapostas: compartilhar os talentos que nos foram dados, multiplicando-os, ou enterrar o nosso talento.
É Deus quem dá o talento, a capacidade e as condições para trabalhar. O talento é conferido a cada um em única medida. E Deus pede a cada um somente segundo as suas possibilidades. É possível e desejável exercer esse talento de forma espontânea, natural, sem medo e nem sacrifício, antes, na medida do prazer. Entre os três servos a quem foram confiados talentos, aquele que se alarmou e teve medo de Deus foi justamente o que acabou não utilizando seu talento.

Enxergar x Ignorar o próximo

Por fim, Jesus descreve o grande julgamento em que, novamente, o bom e o mau proceder são contrapostos. As palavras da passagem são mais que conhecidas. Em suma, terão procedido bem com Jesus aqueles que fizeram bem ao seu próximo. Igualmente, a seguir, o mau proceder diante de Jesus é explicitado como o ter ignorado o próximo.

34. Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.
35. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes;
36. estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.
37. Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber?
38. E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?
39. E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar?
40. O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Aqui, deve ser destacado o fato de que aqueles que fizeram bem ao próximo e, consequentemente, a Jesus, não o fizeram com o objetivo de receber recompensa. Aliás, como vemos nos versículos 37 e 38, eles nem perceberam que fizeram o bem, pois fizeram espontaneamente. Não fizeram o bem por medo do juízo final, mas porque era bom fazê-lo.

Conclusão:

Vigiar é estar na presença de Deus. A partir daí, espontaneamente, daremos ao nosso próximo, a seu tempo, o sustento. Utilizaremos nossos talentos de forma sábia, na medida de nossas possibilidades. Repartiremos o pão material e o espiritual com quem tem fome e sede, seja de comida, de bebida, de amor ou e de conhecimento. E descansaremos tranquilos, sabendo que Deus está no controle.
O bom proceder com vistas ao fim do mundo é, afinal, o mesmo bom proceder com vistas à continuidade da vida. Porque o porvir é apenas a continuação do que começa aqui, do governo de Deus que está no meio de nós.
Sem necessidade de ter medo, vivamos pois em alegria. Pelo tempo que só a Deus sabe, pois só a Ele cabe saber.