O que é essa cruz de que tanto falam os cristãos? Será que eles mesmos entendem do que estão falando? Se entendermos “entender” em termos puramente intelectuais, é bem possível que não. Não é tarefa fácil explicar ou entender via racionalidade técnica o que está muito além da compreensão intelectual humana. Mais fácil é entender os efeitos da cruz na vida de quem nela crê. Por sorte, isso também é tudo que de fato importa.
O efeito prático da cruz é o exemplo. O rei do mundo veio
para servir, e a cruz é a manifestação visível disso. Para que seu ensinamento
fosse sólido, era preciso que sua própria vida exemplificasse suas palavras.
Imagine um pastor que seja acumulador de riquezas. Um que
ostente carros importados, relógios caros, um supersalário e ganhos de capital.
Como ele teria moral para ensinar os fiéis a não acumularem tesouros na Terra,
“onde a traça come”? Para ensinar que “não se pode servir a Deus e às riquezas
ao mesmo tempo”? Para lembrá-los que Jesus disse ao jovem rico “venda todos os
seus bens e dê aos pobres”? Pois é, ele não teria moral para ensinar as
palavras de Cristo. Da mesma forma, se o Messias ensinou que o maior é aquele
que serve, e não aquele que exerce domínio, então sua vida teria de ser
coerente com isso.
É no exemplo de serviço que está a força da pregação. E a
pregação de Jesus é essa: o caminho é o serviço, e não o domínio. Esse
ensinamento salva do pecado, pois a base de todo erro é o desejo de dominar. De
dominar o outro, de submetê-lo à própria vontade, de acumular poder, de
controlar todas as circunstâncias, de se colocar, em última instância, no lugar
de Deus.
Por sua vez, Deus, que é todo poderoso, poderia dominar o
homem, e impedi-lo de errar. Mas aí seria como o pai que diz: “faça o que eu
digo, não faça o que eu faço”. Sua prática não teria coerência com seu
ensinamento. Agiria pelo domínio, e não pelo convencimento. Por isso, antes da
fundação do mundo houve a Cruz: o auto esvaziamento de Deus, ao permitir que o
homem tivesse a possibilidade de errar.
E, ainda no terreno do exemplo, o Messias não veio só para
morrer: veio para morrer e ressuscitar. A ressurreição nos ensina a confiar no
poder Deus para além da morte. Isso também salva: salva do medo, do medo de
morrer e do medo de viver.
Nada disso exaure o assunto, pois não se explica ainda a
lógica de como o sacrifício de Jesus na cruz paga os pecados dos homens. Há
muitas explicações teológicas para tal questão, mas nenhuma convence realmente
a mente. Explicações teológicas sofisticadas geralmente só convencem aqueles
que já de antemão creram com o coração, pois é com o com o coração, e não com o
intelecto, que se crê. Para o crente, em última análise, bastará a explicação
de que “Deus assim o fez porque quis”. E é por isso mesmo que a explicação
técnico-racional é totalmente dispensável. Queremos entender em termos de
física newtoniana o que está além até mesmo da física quântica. A “mecânica da
cruz”, se é que existe, é inalcançável para nós, ao menos neste mundo.