É impressionante que uma sociedade que se orgulha de seu caráter cristão não aprenda a raciocinar coletivamente, mesmo quando sua oração mais conhecida dá todas as pistas para esse aprendizado. O Pai Nosso é todo no plural, e harmoniza didaticamente o indivíduo ao seu entorno.
Se não, vejamos. O Pai do céu não é só meu, é nosso. O pão
da terra também é nosso, não é meu. Não basta que o pão esteja no meu carrinho
de compras, é preciso que ele seja dividido, ou melhor, multiplicado... O pão
do outro não se difere do meu pão. Da mesma forma, a necessidade do outro é também
a minha necessidade.
O Pai Nosso intercede por nós, e não por mim. Pede-se que
Ele nos proteja, e não que me proteja deles. Assim, quando eu digo “não
nos deixes cair em tentação”, peço, ao mesmo tempo, que eu não erre contra o
outro e que o outro não erre contra mim. Em consequência, o outro será livre do
mal que eu fizer a ele, e eu serei livre do mal que ele fizer a mim. Antes de
pedir livramento do mal, tenho que eu também estou sujeito a criá-lo.
Pelo Pai Nosso, oramos pelos que nos fazem mal, imitando e
obedecendo Jesus. Imitando, pois assim ele o fez na cruz, e obedecendo, porque
ele nos disse que orássemos pelos nossos inimigos. Igualmente, o Pai Nosso só nos
permite pedir perdão pelos erros depois que já temos a capacidade de perdoar o
erro alheio.
A princípio, nossa tendência é pensar em separado as “nossas
ofensas” das ofensas cometidas por outros a nós. Esse verso pode soar até como
barganha: perdoa-nos, porque, afinal, perdoamos também aqueles desgraçados que
nos prejudicaram tão aviltantemente que se eu pudesse... Muito antes do amém, o
pensamento encheu-se de ofensa, e o coração, de julgamento.
Julgar é parte do aprendizado da vida, e até mesmo
inevitável em certas circunstâncias. Mas o julgamento também tem seu preço
espiritual, pois cada sentença é uma espada que apontamos para nossa própria
cabeça. Portanto, não é sábio julgar além do que nos cabe.
Pois bem, sabemos que enfim estamos aprendendo a pensar
coletivamente quando não separamos mais as nossas ofensas das ofensas alheias. Somente
ao entender que em “as nossas ofensas” estão também incluídas as ofensas dos
outros dirigidas a nós, o nosso “assim como nós perdoamos aos nossos devedores”
passa a ser realmente sincero.
Com esse exercício de empatia, esvaziamos o coração do
julgamento que não nos cabe e nos envenena. E isso é apenas o princípio do que
uma fé altruísta pode fazer, quando deixamos que ela nos ensine a sair do
raciocínio puramente individualista, para onde o mundo inteiro, incluindo o mundo
da fé, parece apontar.
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