Eu quero falar
Eu quero falar
Eu quero falar
Mas não há ninguém pra escutar
É que entre as pessoas existe uma barreira invisível
Que as impede de se entender e amar
E sentir, e sorrir, e chorar, todos juntos
E então todo mundo
Deixa
Pra
Lá
Eu sei que você
Eu sei que você
Pode me dizer
Que é muito difícil tentar
Lutar contra essa tão forte barreira invisível
E eu sei que é porque eu tentei
E doeu, todo mundo tentou me impedir
Me chamando de louco então eu
Deixei
Pra
lá
Por favor, não cometa esse erro
Por favor, não cometa esse erro
Esse erro
De deixar
Pra
Lá
sábado, 9 de setembro de 2017
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
FÉ E PROVA
O dilema fé/ciência é puramente ilusório. Pelo menos nestes últimos séculos, essas áreas da existência humana têm seus territórios muito bem delimitados. A ciência é o que nós sabemos. Um saber construído dentro de controles e parâmetros instituídos socialmente. Esse território está em constante mutação: sempre descobrimos coisas novas. Ao mesmo tempo, por vezes descobrimos que não sabíamos o que achávamos saber (os tais controles e parâmetros também estão sempre em constante mutação).
A fé diz respeito a tudo que não sabemos. E, mesmo que o saber cresça constantemente, o não saber é sempre maior. É tolice a fé temer a ciência, pois seu território (da fé) é infinito.
Assim, se um religioso sente constantemente a necessidade de provar cientificamente sua fé, talvez esteja na profissão errada. Talvez seja o caso de se tornar cientista, ou juiz, que decide com base nas provas. Já o operador da ciência, incluindo as ciências humanas, se quer abrir mão das provas e surfar apenas nas convicções, fará um grande favor à coletividade se mudar de profissão.
O mesmo pode-se dizer de um profissional do Direito. Como a civilização consagra, um procurador, que acusa, ou um juiz, que julga um acusado, só podem fazê-lo com base nas provas. Se um desses quiser se abster dessa condição, bem fará em se tornar padre, pastor, curandeiro ou xamã. Ocupações igualmente dignas, em que as provas são dispensáveis e a fé, o bastante.
A fé diz respeito a tudo que não sabemos. E, mesmo que o saber cresça constantemente, o não saber é sempre maior. É tolice a fé temer a ciência, pois seu território (da fé) é infinito.
Assim, se um religioso sente constantemente a necessidade de provar cientificamente sua fé, talvez esteja na profissão errada. Talvez seja o caso de se tornar cientista, ou juiz, que decide com base nas provas. Já o operador da ciência, incluindo as ciências humanas, se quer abrir mão das provas e surfar apenas nas convicções, fará um grande favor à coletividade se mudar de profissão.
O mesmo pode-se dizer de um profissional do Direito. Como a civilização consagra, um procurador, que acusa, ou um juiz, que julga um acusado, só podem fazê-lo com base nas provas. Se um desses quiser se abster dessa condição, bem fará em se tornar padre, pastor, curandeiro ou xamã. Ocupações igualmente dignas, em que as provas são dispensáveis e a fé, o bastante.
sexta-feira, 21 de abril de 2017
SALVE TIRADENTES
Ao Brasil que ama o opressor e odeia o oprimido, ao Brasil que aplaude a traição e anseia pela delação, ao Brasil que entrega a riqueza e diz que está fazendo limpeza, ao Brasil que matou, mata e matará o bandido, o revolucionário e o subversivo, um feliz Dia da Hipocrisia Nacional.
sexta-feira, 14 de abril de 2017
RESSACA
Companheiros, respirem fundo e vamos
lá..
Enquanto um jornal diz que o “Brasil
tem possibilidade histórica de ser passado a limpo”, outro publica
“estudo” que conclui que o “peso do Estado é a causa da
corrupção”.
A segunda manchete revela a verdadeira
causa da suposta limpeza anunciada pela primeira. O Brasil não está
sendo passado a limpo. Os dominadores apenas estão entregando alguns
de seus mensageiros em sacrifício para poderem dominar melhor. Sem
precisar do intermédio da política.
A grande imprensa, veículo de
propaganda da elite e do mercado, expõe com alarde todos os vícios
do setor público para que a população não se incomode ao vê-lo
destruído, entregue, vendido barato. Quem desdenha quer comprar. E
aí vêm as privatizações, reformas da previdência, retiradas de
direitos do trabalhador.
Enquanto isso, o ajuste fiscal
assassino não nos tira de crise nenhuma (pelo contrário, a
aprofunda, pela queda da arrecadação). Enquanto isso, a parte mais
fragilizada da população, que depende do Estado de forma vital
(saúde, educação, previdência) tem cada vez menos chance de ser
atendida em suas necessidades. E segue a combinação explosiva de
desemprego de dois dígitos e polícia sem recursos.
Enquanto isso, a população,
deseducada pelo excesso de informação embriagada, confunde o ódio
a políticos com ódio à política. Cansa da política. Cansa da
democracia, tem vontade de entregar seu destino para outro cuidar. E
uma nação assim caminha para os braços do fascismo.
Não, companheiros, a luta não acaba,
e dessa responsabilidade não podemos abrir mão. Soluções mágicas
não existem. Judiciário, MP e PF não são um “Deus Fora da
Máquina” que vai consertar tudo. Não há saída fora da política.
Não há boa saída fora da democracia. Se o sistema é corrompido,
nós que temos de lidar com isso, e não delegar poder para outro
resolver. A luta política não acaba, ela é da vida inteira. Se
delegarmos essa responsabilidade agora, depois o estrago a ser
consertado será muito maior.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
POEMA PARA LANA & LILLY
O Papa diz que a Igreja deve acolher os homossexuais.
A tradição religiosa diz que homossexualidade é pecado.
Buscando uma síntese que preserve sua consciência,
O religioso hétero descobre
A separação entre pessoa e prática
Reconhece (e não era sem tempo)
Que existem os diferentes
E acolhe a pessoa, desde que ela se abstenha da prática.
Seria a síntese perfeita,
Não fosse esse acolhimento
Muito amigo, mas é da onça.
Acolhimento condicionado
À abstenção da felicidade.
Exige do outro o que não exige de si mesmo
Pois ele, religioso hétero
Pode se envolver com quem de fato
O faça suspirar.
Descumpre, assim,
O maior dos mandamentos,
Ama ao próximo como a ti mesmo.
Feliz porque coou o mosquito,
Não percebe que deixou passar o camelo
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
A LUTA POLÍTICA
Vejo que a luta política
é hoje, em essência, a mesma do século XVIII. É a luta do
privilégio contra a inclusão.
O que mudou nesse tempo
foi o papel do estado. Só no século XX alguns países chegaram
perto do sufrágio universal. Conforme esse avanço é alcançado, o
estado, se efetivamente democrático, tende a ser uma ferramenta mais
de inclusão do que de manutenção de privilégios.
Assim, a identificação de uma menor participação do estado na economia com uma maior liberdade econômica inspira cuidados. O neoliberalismo não traz liberdade, antes
favorece a liberdade do mais forte e diminui a do mais fraco. O
neoliberalismo concentra a renda e, logo, a liberdade. Nesse sentido,
cito o Karl Polanyi:
“(...) As
classes abastadas gozam da liberdade que lhes oferece o ócio em
segurança; elas estão naturalmente menos propensas a ampliar a
liberdade na sociedade do que aquelas que, por falta de rendas, têm
que se contentar com um mínimo de liberdade. Isto é perfeitamente
visível quando surge uma compulsão no sentido de uma distribuição
mais justa de renda, do lazer e da segurança. Embora as restrições
se apliquem a todos, os privilegiados tendem a ressentir-se, como se
elas fossem dirigidas apenas contra eles. Eles falam em escravidão,
quando de fato se pretende apenas distribuir entre os outros a
liberdade de que eles mesmos gozam. É verdade que pode ocorrer
inicialmente uma diminuição do seu lazer e da sua segurança e,
portanto, da sua liberdade, para que seja elevado o nível de
liberdade para todos. Todavia, uma tal mudança, a remodelação e a
ampliação das liberdades, não deve servir de motivo para que se
afirme que a nova situação é, necessariamente, menos livre do que
a anterior” (POLANYI, Karl. A Grande transformação: as origens de
nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 295).
O estado ser subjugado à
população é uma premissa de qualquer modelo desejável. A
concentração de poder, seja no estado, seja no mercado, favorece o
mais forte, que domina o mais fraco. Por isso a importância do
sufrágio universal: ele pulveriza o poder político. Mas não
adianta as pessoas terem poder de decisão sobre o estado e esse não
ter capacidade de interferir na realidade.
Por fim, falo em
“neoliberalismo”, e não em “liberalismo”, porque liberalismo
é um conceito que me é caro. O liberalismo tem a ver com liberdade,
mas também igualdade e fraternidade, com todas as liberdades
comportamentais, com direitos humanos, com o Estado Democrático de
Direito, com as garantias constitucionais, com a presunção de
inocência, contraditório e ampla defesa. Tem a ver com aquelas
mesmas lutas do século XVIII, contra o privilégio e pela inclusão
política. Liberal é uma palavra bonita demais para designar o
sujeito que só quer deixar de pagar imposto e manter privilégios. A
este, fica melhor uma palavra feia: neoliberal.
quinta-feira, 7 de julho de 2016
APESAR DE TUDO, O ESCRACHO NÃO NOS PERTENCE
Nos anos 90, passava na
TV um enlatado americano de que hoje ninguém se lembra. Chamava-se
“Justiça Final”, e o enredo pouco se distanciava dos filmes de
vingança tipo “Desejo de Matar”. Já na vinheta de abertura, o
juiz Nick Marshall, personagem principal da série, justificava sua
condição de vingador:
“Como policial perdi
muitos casos devido a truques jurídicos, mas eu acreditava no
sistema. Como promotor perdi muitos casos para advogados corruptos,
mas eu acreditava no sistema. Como juiz eu procurei seguir a lei ao
pé da letra, porque eu acreditava no sistema... até eles destruírem
minha família. Daí eu parei de acreditar no sistema e passei a
acreditar na justiça.”
Nerds esquerdistas como
eu sentem um estranho misto de nostalgia e desdém ideológico ao
recordar essa abertura. E, ironicamente, o Brasil de hoje nos fez um
pouco como o juiz Nick Marshall. O golpe foi o nosso ponto de
inflexão. Politicamente, guardadas as devidas proporções, foi o
“até eles destruírem minha família” da historinha. Vejamos:
As eleições de 2014
foram difíceis e o debate foi rasteiro e violento, mas eu acreditava
no diálogo. Tendo perdido a eleição, a oposição não se
conformou com a derrota e tentou levar no tapetão, mas eu acreditava
no diálogo. Iniciado o mandato, sabotaram o governo e apostaram no
quanto pior melhor, mas eu acreditava no diálogo. Até que eles
deram um golpe travestido de impeachment. Aí eu deixei de
acreditar no diálogo, e passei a acreditar no confronto.
Pois é, quem não quer
guerra não invade a Polônia. No entanto, devo dizer que,
esquizofrenicamente, meu objetivo agora não é buscar justificação
de qualquer atitude extrema. Não venho aqui defender a velha fórmula
justificadora de injustificáveis: “Sou contra tal coisa, mas
chegou a um ponto em que...”. Pelo contrário. O objetivo deste
texto é questionar a pertinência de atitudes como o chamado
“escracho”.
Concebi este texto após
ler uma notícia do escracho a Janaina Paschoal em um aeroporto. O
relato era de um blog simpático à “autora do pedido de
impeachment” e antipático aos “petistas ensandecidos”,
e chamava o ato de “barbárie”. Achei, a princípio, que tivesse
havido agressão física, então me adiantei em escrever um esboço
condenando fortemente a atitude e nivelando os escrachantes às
pessoas que hostilizaram Guido Mantega em um hospital ou mesmo aos
fascistoides que atacaram alunos na UNB.
Mas, depois de ver o
vídeo, constatei que não se tratava de uma agressão, ao menos não
no sentido físico. Os “petistas ensandecidos”, como chamou o
blog de direita, apenas fizeram coro chamando Janaina Paschoal de
golpista e de fascista. Eles mantiveram uma distancia física dela.
Compará-los aos fascistas do ataque a UNB seria forçar a barra. Mas
não desisti deste texto, pois acho importante ter um olhar crítico
sobre o episódio e sobre escrachos em geral. Tal atitude é ética?
Encontra-se facilmente
resposta a essa questão invertendo a situação. Pense se você
acharia um absurdo ou não se a mesma atitude fosse tomada contra um
intelectual “do seu lado”, por militantes “do outro lado”. A
ética que vale para os aliados deve valer para os adversários
também, não importa o contexto.
Mas se, ensaboadamente,
deixo para você, leitor, a conclusão sobre o escracho ser ético ou
não, afirmo que, no mínimo, ele não é estético. É um conceito
muito feio, com ares de programa policialesco vespertino. Flerta
muito proximamente com a covardia e com o linchamento.
Podemos dizer que, no
caso de Janaina, os escrachantes mantiveram uma distância física,
de modo a não ameaçá-la. Mas até que ponto podemos garantir que
um companheiro não irá ultrapassar essa barreira? Se adotarmos o
discurso de que, após o golpe, vale tudo, a chance de isso acontecer
aumenta. E isso (aí sim, sem dúvida) nivelaria os companheiros
escrachantes aos fascistas.
Nivelando-se, a esquerda
incorreria em um duplo erro, moral e estratégico. O erro estratégico
é claro. Tudo que os repressores querem é desculpa para reprimir. O
golpe exige luta, mas é preciso que as lideranças deixem claro que
essa luta é não violenta. Na violência, perdemos. Deles é a
polícia, deles são as armas.
Já o erro moral, que se
soma ao estratégico, já foi desenhado acima: é utilizar os métodos
daqueles que condenamos. Você dirá: “Ah, mas a Janaina é
golpista. Contra ela vale”. Mas ela ser golpista não invalida dois
fatos:
1) Eu acredito que ela
é golpista, mas posso estar errado.
Os fascistas que atacaram
a UNB acreditavam estar certos. Se temos a consciência de que
podemos estar errados, refreamos nossa agressividade. E sempre
podemos estar errados, pois nossas convicções mais profundas, no
limite, são uma questão de fé.
2) Antes de ser golpista,
Janaina é um ser humano.
Os que hostilizaram Guido
Mantega em um hospital (quando ele visitava a esposa com câncer)
possivelmente achavam que que para político, ou pra petista, todo o
castigo era pouco. Consideravam-no, enfim, uma pessoa indigna.
Segundo Tzvetan Todorov,
“bárbaro é aquele que crê que uma população ou um ser não
pertence plenamente à humanidade e merece tratamentos que eles
mesmos recusariam firmemente aplicar a si mesmos” (TODOROV, Tzvetan, La Peur des Barbares [O Medo dos Bárbaros], conforme citado em GRESH, Alain. “Da Batalha de Termópolis ao
11 de Setembro”, Le Monde Diplomatique Brasil, janeiro de 2009).
Gritar “fascistas,
golpistas” não caracteriza barbárie. O que caracteriza ou não a
barbárie é o que se faz depois. Sofremos um golpe, nosso voto
jogado no lixo, acusemos, pois, os golpistas. Mas, e depois de acusar?
Agredimos o acusado ou conversamos com ele? Se escolhermos a primeira
opção, seremos, sim, bárbaros. Uma acusação que não dê o
direito de defesa é linchamento, e linchamento, definitivamente, não
nos pertence (“programa policialesco vespertino”, lembram-se?).
Após gritar “golpistas!,
fascistas!” é preciso explicar por quê. É possível que Janaina
acredite mesmo que não seja golpista. Não basta estarmos convictos
de que há um golpe em curso, é preciso saber explicar o porquê
dessa convicção. Seremos chamados ao debate pelos que não
compartilham da nossa convicção ou nem sequer refletiram a
respeito, e não é com gritos que convenceremos ninguém.
Como eu disse, deles são
as arma. Nossa única arma é falar a verdade, e só poderemos usá-la
se mantivermos aberto o canal do diálogo. Isso implica legitimar o
outro. Mas dar o direito do contraditório é pouco confortável. Já
dizia Nietzsche, quando você olha para um abismo, o abismo também
olha para você. Dialogar exige preparo, exige coragem. E apenas
quando passamos por essa prova de coragem nos diferenciamos dos
fascistas. Se não dialogamos, somos paneleiros, aqueles que não
ouvem, só fazem barulho.
Ao final do último
episódio da primeira temporada de “Justiça Final”, o juiz
justiceiro Nick Marshall finalmente encontra o assassino da sua
família. Tendo sido dominado, o bandido espera a própria execução
sumária. O juiz vingador se aproxima dele e saca... uma algema. Leva
o criminoso preso que, surpreso, pergunta, “Ué, você não vai me
matar? Por quê?” Ao que o juiz responde: “Porque, apesar de
tudo, eu ainda acredito no sistema”.
Sim,
há momentos em que deve haver luta, mas a luta sempre deve ser não
violenta. Sim, às vezes o confronto é necessário, mas o confronto
sem racionalidade perde o sentido. Sim, corremos o risco de que, no
final, o escorpião nos pique mesmo assim, mas é um risco que vale a
pena ser corrido, quando o que está em jogo é a nossa própria
integridade. O golpe, de fato, muda as coisas, mas não pode mudar
nossos valores éticos mais profundos, não importa a que ponto
tenhamos chegado. Mesmo que eles tenham invadido a Polônia. Só o
amor vence o ódio, mais ódio apenas o potencializa.
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