O que é o Fascismo de que tanto se fala? Para quem sabe pouco ou nada sobre o conceito, podemos defini-lo como a política do domínio pela força. Existiu um movimento específico, o fascismo italiano dos anos 20 a 40, que originou o termo. Mas ele passou a também ser utilizado para um fenômeno político maior, do qual o Fascismo Italiano foi a experiência original, e o Nazismo alemão, a experiência radical.
A partir de certo ponto, porém, generalizações se tornam
problemáticas. Ao longo das décadas, grande parte da militância política usou a
palavra “fascista” retoricamente para desqualificar quem quer que estivesse à
direita de si. O resultado disso foi a banalização da palavra e, quando um
fascismo de verdade voltou a ter força, o nome havia perdido a capacidade de advertir.
Conclusão: se, por um lado, o fascismo é muito mais que um
movimento específico de um tempo e lugar na História, por outro, a generalização
de seu uso não pode ser infinita. A própria definição acima proposta, de “política
do domínio pela força” é uma boa explicação introdutória, mas gera novos
questionamentos: o Império Romano e a Inquisição Espanhola eram fascistas?
Quais os problemas do uso anacrônico do termo? Quais as consequências de juntar
em uma mesma categoria nazifascismo e stalinismo? Quais as consequências de não
fazê-lo?
Bom, parece que o segundo passo nessa discussão é limitar o
fenômeno fascista a um contexto específico, mas não tão específico quanto à
Itália e a Alemanha dos anos 1920 e 30. O contexto que dá origem e força ao fascismo
é o da defesa do interesse da burguesia capitalista em períodos de crise
econômica.
É claro que, para uma resposta mais consistente, teríamos de
recorrer à imensa reflexão existente sobre o tema. Hannah Arendt seria
referência inescapável. O dicionário político de Norberto Bobbio, também. O
texto que mais me influenciou sobre o assunto “Os Fascismos”, de Francisco
Carlos Teixeira da Silva, seria revisitado. Os manuais de História do Século XX
na estante também poderiam ser úteis. Em mais de década que se passou desde que
terminei o curso de História, houve a ascensão do cyber fascismo, e muitos
novos trabalhos, como o de Jason Stanley, geraram repercussão. E estamos
falando só do que me vêm à mente agora.
Isto aqui, no entanto, não se propõe a ser uma tese de
mestrado. Quando muito, é um ensaio. Então, minhas fontes serão apenas os filmes
que vi nesse período, e que me ensinaram a identificar alguns sintomas do
pensamento e do discurso fascista.
1-
Autoridade da Força e Criminalização do Inimigo
Em “Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” (1970), de Elio
Petri, o policial vivido por Jean Maria Volonté quer provar que pode cometer
crimes impunemente. Sua tese é um dos pontos centrais do fascismo, a saber, que
a autoridade se dá, não pelo respeito à lei, mas pelo exercício do poder.
Quando a autoridade se dá unicamente pela força, adversários políticos se
tornam criminosos e vice-versa.
2-
A Morte da Verdade
Reza a lenda que quando o cineasta Fritz Lang se recusou a servir o
Terceiro Reich, alegando ser judeu, os nazistas teriam replicado: “não se
preocupe com isso, nós dizemos quem é judeu e quem não é”. Para que criminosos
e adversários políticos sejam simplificados em uma só categoria, é preciso
alterar a realidade. Isso é característica fundamental, mas não exclusiva, do
nazi-fascismo. Tanto que talvez o exemplo mais emblemático dessa prática no
cinema seja o julgamento fictício em “A Confissão” (Costa-Gavras, 1970), filme
passado na Tchecoslováquia de 1951, sob domínio soviético.
3-
Capataz da Burguesia
Mas, se fascismo e stalinismo compartilham muitos de seus pontos
essenciais, o primeiro tem como especificidade seu papel na história do
capitalismo. Na alegoria política “1900” (1976), de Bernardo Bertolucci, o
cruel personagem de Donald Sutherland representa o fascismo: é o capataz das
classes dominantes, que ganha seu poder arbitrário para defender a propriedade
privada.
4-
A Máquina Decide por Mim
Numa cena do documentário “Noite e Neblina” (1956), de Alain Resnais,
guardas do campo de concentração recém-liberto são mostrados em sequência.
Todos repetem o mesmo mantra: “não sou o responsável”, como explicação para os
horrores ali encontrados. Quando um sistema autoritário toma todas as decisões
pelo indivíduo, ele não precisa se responsabilizar por nada. Esse é o prêmio
dos que entregaram sua liberdade. Com ela, vai-se também seu senso crítico e
sua humanidade. Viram engrenagens na produção industrial da morte.
5-
Ódio à Diferença
Em
“O Conformista” (1970), de Bernardo Bertolucci, o personagem de Jean-Louis
Trintignant é obcecado pela normalidade, por razões puramente subjetivas. Sua
busca por “ser normal” encontra abrigo perfeito na negação da diferença,
proposta pelo regime fascista de que se torna agente. Mas o ódio à diferença
não nasce nos corações por imposição de um regime. Pelo contrário, é nesse ódio
pré-existente que o fascismo encontra as bases para aumentar seu poder. Cria-se
então uma relação de retro-aimentação crescente: o ódio alimenta o regime, que
alimenta ódio, que alimenta o regime... No limite, dá-se o extermínio. Mas não
é o extermínio que faz o fascista, é o fascista que faz o extermínio.
Compartilhadas essas reminiscências cinéfilas, fica o
convite para um estudo mais aprofundado e acadêmico a quem se dispuser. E, para
quem não se dispuser, reflexão suficiente para que tirem suas próprias
conclusões.
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