terça-feira, 5 de maio de 2020

INDIVIDUAL E COLETIVO: REPENSANDO SMITH


A realidade desta quarentena lança luz sobre um debate filosófico antigo: a relação inseparável entre o interesse individual e o coletivo. Afinal, neste momento, quem cuida de si, evitando o próprio adoecimento, está necessariamente beneficiando a coletividade, ao interromper a cadeia de contágio e não sobrecarregar o sistema público.

Isso pode nos fazer recordar Adam Smith. Em 1776, o autor afirmou que, dada a divisão social do trabalho, fazer a sua parte, cuidando do próprio interesse, é a melhor forma de promover o bem geral. Smith tonar-se-ia a base da ciência econômica liberal e o autor preferido dos defensores do individualismo.

Mas, com fina ironia, este tempo de pandemia nos aponta também a limitação do pensamento individualista. Sim, porque, de visão interessante sobre uma sociedade complexa, a ideia básica de Smith tem servido de salvo conduto ao egoísmo. E, no atual contexto, os mais egoístas, que ignoram o bem geral, mostram-se verdadeiras ameaças à saúde pública.

Desde Smith, fomos condicionados a pensar a realidade social apenas do ponto de vista individual. E, nessa busca cega pelo próprio interesse, sequer avaliamos se o interesse coletivo estava de fato sendo atingido. Pois bem, não estava, e isso agora é evidente.

Com a desculpa de incentivar investimentos privados, cortamos o investimento público em saúde, educação, ciência e tecnologia (interesse coletivo). A busca do interesse individual não levou ao bem estar geral, e a pandemia nos pegou desprevenidos.

Smith acertou ao postular que, cuidando-se de si, cuida-se do próximo. O que seus seguidors ignoraram é que há aí um necessário complemento: cuidando-se do próximo, cuida-se de si. Ao evidenciar a inexistência de contradição entre as duas afirmações e, mais do que isso, a sua complementaridade, a pandemia pode nos legar uma síntese do que há de melhor nos pensamentos de direita e de esquerda.

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