A
realidade desta quarentena lança luz sobre um debate filosófico
antigo: a relação inseparável entre o interesse individual e o
coletivo. Afinal, neste momento, quem cuida de si, evitando o próprio
adoecimento, está necessariamente beneficiando a coletividade, ao
interromper a cadeia de contágio e não sobrecarregar o sistema
público.
Isso
pode nos fazer recordar Adam Smith. Em 1776, o autor afirmou que,
dada a divisão social do trabalho, fazer a sua parte, cuidando do
próprio interesse, é a melhor forma de promover o bem geral. Smith
tonar-se-ia a base da ciência econômica liberal e o autor preferido
dos defensores do individualismo.
Mas,
com fina ironia, este tempo de pandemia nos aponta também a
limitação do pensamento individualista. Sim, porque, de visão
interessante sobre uma sociedade complexa, a ideia básica de Smith
tem servido de salvo conduto ao egoísmo. E, no atual contexto, os
mais egoístas, que ignoram o bem geral, mostram-se verdadeiras
ameaças à saúde pública.
Desde
Smith, fomos condicionados a pensar a realidade social apenas do
ponto de vista individual. E, nessa busca cega pelo próprio
interesse, sequer avaliamos se o interesse coletivo estava de fato
sendo atingido. Pois bem, não estava, e isso agora é evidente.
Com
a desculpa de incentivar investimentos privados, cortamos o
investimento público em saúde, educação, ciência e tecnologia
(interesse coletivo). A busca do interesse individual não levou ao
bem estar geral, e a pandemia nos pegou desprevenidos.
Smith
acertou ao postular que, cuidando-se de si, cuida-se do próximo. O
que seus seguidors ignoraram é que há aí um necessário
complemento: cuidando-se do próximo, cuida-se de si. Ao evidenciar a
inexistência de contradição entre as duas afirmações e, mais do
que isso, a sua complementaridade, a pandemia pode nos legar uma
síntese do que há de melhor nos pensamentos de direita e de
esquerda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário