sábado, 9 de setembro de 2017

PRA ADOÇAR A BOCA

Dia desses, depois do jantar, eu desejei comer um biscoito. "Para sentir um açucarzinho na boca" como meu pai dizia, uns 20 anos atrás, quando me pedia para pegar na cozinha um biscoito de goiaba para ele. Um "enroladinho", como ele chamava. Foi uma época em que todo o dia ele me pedia isso depois do jantar.

Cheguei mesmo a me encher dessa história e por pouco não falei "você não pode ir lá pegar?"  Mesmo assim, nunca cheguei a retrucar. Sempre fui lá e peguei o biscoito sem reclamar. Em parte porque eu ainda não sabia dizer não. Mas, principalmente, porque eu desconfiava que um dia teria saudades dessa fase.

Lembrando disso, me perguntei se eu realmente tinha saudades. Do meu pai eu tenho, claro. Mas de ter que pegar todo o dia um enroladinho para ele? Talvez ele estivesse cansado e não pudesse pegar. Não, isso foi bem antes das dores de joelho, da dificuldade de locomoção. Era por outro motivo que ele pedia para mim. E só então eu entendi.

Todo dia ele me pedia para trazer o biscoito porque esse ato, vindo de mim, era para ele tão doce como o biscoito. Não era só o enroladinho que o alimentava, mas também o meu carinho. Quisera ter entendido na época. Teria entregado cada biscoito com muito mais alegria.

Nessa mesma noite senti meu pai muito perto de mim. Talvez tenha sonhado com ele. Ou talvez tenha sido o seu amor de 20 anos atrás, ainda me irradiando, como o brilho de uma estrela já extinta que chega até nós.

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